A filosofia por trás da Propriedade Intelectual

Há algumas semanas atrás, estive em um protesto contra a assinatura do ACTA aqui em Munich, o qual foi bem-sucedido, já que o mesmo acabou não tendo sido assinado pelo governo alemão (aqui eu meu pergunto se os protestos espalhados pelo país é que foram decisivos, ou não). O fato de que um acordo como esse sequer existe me deixou muito assustada, e senti que deveria fazer algo. Eu, basicamente, considero a existência e a proteção de Propriedades Intelectuais justa, já que, se um pintor tem direitos sobre o seu quadro, um escritor, músico ou cineasta também deveria ter direitos sobre a sua obra. E se não tem, isso sugeriria que não somos donos dos nossos próprios pensamentos, mas somente daquilo que eles podem gerar, e desde que sejam tocáveis.

É essa a linha de pensamento me incomoda, pois é baseada nela que as Ciências Humanas tiveram a sua importância drasticamente reduzida. Um dos mais claros exemplos que posso citar é o caso dos professores, que praticam uma profissão de valor incalculável para a nossa sociedade, mas que recebem para isso um salário vergonhoso. Qual a função daqueles que se ocupam com as Humanidades? Pois nas outras áreas de atuação, é fácil saber. Aqueles que  estudam na área das Ciências Biológicas precisam conhecer o funcionamento do corpo humano, dos animais, células, seres vivos, etc. Os que se ocupam com profissões técnicas, aprendem o funcionamento e encaixe de peças, sistemas elétricos, entre outros. Na área das Exatas, os cálculos e experimentos buscam resultados lógicos e conclusivos. São ciências empíricas e tocáveis, deixando pouco espaço para dúvidas. E nós, o que fazemos? Nós pensamos, analisamos, definimos, interpretamos e criticamos. Nós buscamos a solução para problemáticas profundas e subjetivas e nos dedicamos à eterna busca do bem-estar da sociedade, tanto sob um parâmetro social quanto pessoal, quando nos envolvemos com temas complexos como o subconsciente e a arte. É através do exercício do pensamento crítico que o cientista de Humanidades se torna este ser flexível, que estuda uma coisa e acaba trabalhando em outra totalmente diferente. E passa fome.

Como podemos ver, existe uma correlação entre as Ciências Humanas e a Propriedade Intelectual, pois ambas questionam o quanto vale uma idéia. Eu, pessoalmente, creio que uma idéia tenha mais valor do que um objeto, já que dessa idéia vários objetos podem ser gerados. Porém, o valor do pensamento em nossa sociedade é baixíssimo. É daí que surge o questionamento do valor de obras de arte, como fotografias, músicas, filmes e livros, que são passados e repassados sem que haja nenhum interesse no idealizador daquela obra, coisa que considero um crime. Ao mesmo tempo, também tenho os meus próprios questionamentos quanto a este tema.

Mas agora, voltemos ao ACTA. Neste caso, sou bastante enfática: a Propriedade Intelectual que se foda. Se para protegê-la temos que minar um dos últimos refúgios do cidadão moderno, há algo de muito errado aí. Dá arrepios imaginar uma sociedade em que todos os membros estão sendo assim, tão rigorosamente vigiados. Controlar o que vemos na internet é o equivalente a instalar uma câmera em nossos chuveiros. Lá na rede é que damos vazão aos nossos hábitos, gostos, preconceitos e superstições mais bizarros, e se formos privados também disso, o que será de nós? A liberdade de pensamento é um dos cernes da nossa cultura ocidental, e para verificar isto, basta olharmos para os tempos que antecederam  o Iluminismo.

É inevitável citar o clichê de George Orwell, que teve sucesso em colocar em palavras e com precisão alguns dos nossos piores pesadelos. Para fazer uma analogia ao tema, utilizarei um exemplo meio ultrapassado: quando o Tiririca foi eleito, lembro-me que muitas pessoas pleiteavam a sua retirada por o julgarem incompetente, dada a sua experiência anterior como palhaço. Apesar das pontadas no estômago que me afligiram ao receber a notícia de sua eleição (e o mesmo ocorreu com Romário, Clodovil, Frank Aguiar…enfim, todos os membros do partido PPSG – Partido da Piada Sem Graça) fiquei apavorada com a sequer consideração de sua retirada. Enquanto você se pergunta por que, eu lhe respondo: por mais absurda que seja, ele foi eleito de maneira democrática. Não concordo e até me envergonho, mas vivemos em uma sociedade democrática, aonde o poder parte do povo, e o povo o escolheu. Retirá-lo seria um atentado contra a Democracia, e isso eu não vou deixar. Afinal, se podem burlar a Democracia com ele, o que impedem de fazerem o mesmo comigo? Se for obrigada a escolher entre arrancarem o meu pé ou a minha cabeça, eu escolho o pé.

Por isso, insisto: compreendo e até concordo com a Propriedade Intelectual. Mas, se para a defendermos, devemos todos perder a nossa liberdade…aí, caros leitores, eles foram longe demais. É preciso encontrar uma nova maneira de fazer isto, sem que seja necessário ferir os preceitos básicos que regem a nossa vida. Por isso estou aqui, para alertá-los de que tais projetos podem eventualmente pintar na terra aonde canta o Sabiá, e se isso acontecer, temos que estar prontos para a luta, sob pena de acabarmos nos livros de história dos nossos bisnetos. E não por uma boa causa.

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