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Marketing – Imperialismo no Século XXI

“Mamãe, quando eu crescer, quero ser médico”, diz o garoto. “Hum , que legal, filho”, diz a mãe enquanto pensa quanto anos irão levar até que ele se dê conta de que não terá interesse em salvar o mundo, mas sim, a si mesmo. Crianças são assim, ficam magoadas quando descobrem que existem pessoas doentes e infelizes, principalmente quando são outras crianças, e imediatamente colocam a cabecinha para trabalhar, bolando planos para solucionar os problemas do mundo. “Eu vou ser médico, assim posso curar todas as crianças doentes que existem”, pensou o garoto. Não é à toa que os pequenos costumam escolher profissões nobres. E é exatamente por este motivo que você não irá escutar de uma criança que seu sonho é ser Publicitário.

O Marketing não é para qualquer um. Para conseguir sobreviver no ramo, são necessárias uma porção de talentos, entre eles, alguns não tão cristãos. O Marketing é uma arte. Arte de fazer pessoas desejarem aquilo de que não precisam, se esforçarem para conseguirem o que não cabe em seus orçamentos. Os estudantes desta área passam anos aprendendo técnicas para manipular, excitar, deprimir, associar sentimentos a objetos, identificar pontos fracos, valorizar pontos fortes. Para isso, utilizam de cores, formatos, letras, frases marcantes, expressões faciais, imagens impactantes, entre outros diversos meios que não caberiam neste post.

As áreas de Marketing, Publicidade e Propaganda são uma escolha frequente entre pessoas que ainda não sabem bem o que gostam ou sabem fazer, mas que tem uma única certeza: querem ganhar dinheiro. E muito. Poucos perdem tempo pensando no que esta profissão representa, no impacto que ela causa na sociedade e as suas consequências. Repudiar o sistema capitalista é fácil, apontar os “culpados”, também. Difícil é se dar conta de que você próprio pode estar jogando lubrificante nesta suruba.

Um exemplo pessoal: aos 17 anos, fui contratada por uma marca famosa de perfumes importados para fazer a tal borrifação (ficar na porta da loja entregando papeizinhos aos passantes com as fragrâncias da marca). Ah, como eu me achava…toda linda e perfumada, com a minha vestimenta impecável e sorriso de orelha a orelha…não foi à toa que as vendas quase triplicaram. Não demorou para que a dona da loja me convidasse para fazer parte da sua equipe de vendas, e eu, aceitei na hora. Havia estudado as propriedades dos perfumes, entendia bem do assunto e adorava tagarelar com os clientes por horas a fio, explicando tudo o que havia aprendido. Pouco tempo passou até que todos se dessem conta de que eu não vendia nada. Todo mês eu tinha os piores números, e as outras vendedoras sempre me enchiam de dicas. “Você não deve conversar muito, senão o cara perde o fio da meada”, “Se perceber que a pessoa não vai comprar nada, tente se livrar dela”, “Quando notar que a pessoa está em dúvida, não a deixe pensar: diga que tem desconto, que pode parcelar…”. Cada palavra que soava, embrulhava o meu estômago. Nojo. Asco absoluto. A partir daquele momento, passei a sentir orgulho de mim mesma por vender mal, e após algumas semanas, pedi demissão, jurando que jamais trabalharia com vendas novamente.

Não me levem a mal, não acho que todas as pessoas que trabalham com vendas devem necessariamente ser escrotas. Eu mesma fiz muitas vendas nessa época, e a minha função era esclarecer as dúvidas dos clientes e guiá-los para o que seria para eles a melhor opção, e não empurrar tudo o que eu conseguisse para aumentar a minha comissão em cima do “trouxa”. Isso é coisa de filho-da-puta. Quando o cliente me perguntava se a namorada dele iria gostar de um certo perfume, eu não pensava duas vezes antes de dizer “provavelmente não”. Algumas pessoas, quase sempre mulheres, ficavam olhando fixamente para o perfume enquanto faziam cálculos mentais. E eu as observava. Quando elas contorciam o rosto, significava que não tinham dinheiro suficiente para comprar o perfume (o que de maneira nenhuma queria dizer que não iriam comprá-lo). Nestas situações, eu era enfática. “Senhora, isto é apenas um perfume. Não faça dívidas por isso, volte quando estiver mais tranquila”. Vocês já devem imaginar as caras das minhas colegas.

Poucas pessoas que estudaram Marketing ou Publicidade e Propaganda se dão conta da imoralidade das suas profissões, e um dos motivos é que esse assunto quase nunca vem à tona. Aqueles que estão no meio e sabem disso não vêem nenhum motivo para tocar no assunto, e os que estão chegando, buscam apenas razões para se sentirem bem com a sua escolha. Além do mais, estão muito ocupados tentando descobrir qual a melhor maneira de vender sorvete de chocolate com calda de caramelo e chá emagrecedor para a mesma pessoa, sem que ela perceba o quão idiota é.

Para nós, que vivemos em um mundo afogado por idéias pré-concebidas, sequer podemos imaginar como as coisas seriam sem esta dominação mental, e se isso é de fato possível. Mas o fenômeno Marketing é relativamente novo, tendo surgido apenas no início do século XX, como idéia de um homem chamado Edward Bernays. Ele acreditava que a manipulação das massas era necessária, pois julgava que o ser humano era demasiado irracional e perigoso, necessitando assim de pessoas que tomassem decisões por ele (o que é uma contradição, pois aqueles que trabalham no Marketing também são seres-humanos, obviamente). O primeiro desafio de Bernays foi durante a I Guerra Mundial, quando foi contratado pelo governo americano para tentar convencer o povo de que o país estava entrando na guerra para restaurar a democracia na Europa, fazendo com que o povo americano aceitasse passivamente a ofensiva de seu governo, e também a apoiassem, enviando seus maridos e filhos para lutarem por esta “causa nobre”.

Em 1915, ele foi contratado para promover a companhia de ballet russo Diaghilev em sua turnê pela América. Bernays nunca havia trabalhado com isso, e tinha absoluto desinteresse por dança, segundo palavras do próprio. Após assistir a alguns espetáculos, ele começou a identificar elementos que poderia usar para atrair a atenção do público para o seu cliente. Bernays escreveu um folheto para os maiores jornais da época contando a história da companhia e de seus dançarinos, mas o grande truque estava em dedicar cada sessão a públicos-alvo específicos. Na sessão feminina, por exemplo, dava ênfase na moda, design das roupas, tecidos, etc. Este formato é amplamente utilizado em jornais e revistas até hoje. Dado o enorme sucesso de Bernays em todos os ramos em que se envolvia, passou a ser a primeira escolha entre grandes empresas de produção em massa, que durante e após a guerra, viram os seus produtos estagnados nas prateleiras. Um dos trabalhos de manipulação mais marcantes na carreira de Bernays foi o de convencer as mulheres a fumarem. Naquela época, era extremamente deselegante que uma mulher fumasse, e as indústrias de tabaco não gostavam nada da idéia de terem metade do seu público perdido por causa disso. Bernays explica em um vídeo, ao final de sua vida, qual foi a psicologia utilizada para que ele conseguisse atingir tal feito. É repugnante. Outro exemplo é o termo “Relações Públicas”, criado por ele para aliviar a carga trazida pela palavra “Propaganda”.

Bernays era primo de Sigmund Freud, pai da psicanálise, e comunicava-se com ele com frequência, apesar de viverem em continentes diferentes. Ele costumava pedir a opinião do seu primo austríaco, que tinha profundo entendimento sobre o funcionamento da mente humana, para que pudesse alcançar aproveitamento máximo em seus projetos malignos. Freud emitia a sua opinião e enviava-lhe artigos e livros sobre as suas teorias, mas assim que se deu conta de que seu primo utilizava-se deste conhecimento para controlar as pessoas, caiu fora.

A Psicologia desempenha um papel cada dia mais ativo no ramo publicitário. É bastante comum encontrar pessoas graduadas em Psicologia trabalhando nas áreas de Pesquisa e Relações Públicas em grandes empresas, o que, para ser honesta, me assusta. Quando uma pessoa que estudou e compreende o funcionamento da mente humana utiliza-se deste conhecimento para desencadear sentimentos e reações que favorecem os senhores de terno, a coisa ficou hardcore. O Lobbying tomou conta de nossas vidas, e nós não sabemos mais o que vem de nós mesmo e o que nos foi “implantado”. Quem somos nós? Se olharmos de perto, somos todos diferentes. Mas se afastarmos um pouco, como se faz com um mapa na internet, as diferenças vão sumindo lentamente, até chegar ao ponto em que somos todos apenas cidadãos de uma sociedade democrática cristã ocidental, e, comparados com outros países com estas mesmas características, somos bem parecidos um com os outros. Eu me acho super diferente dos alemães, mas quando chega um chinês na roda é que me dou conta de que não é bem por aí…

Mas calma lá, para tudo dá-se um jeito: você estudou Publicidade ou tem um super dom para a área, leu o texto e concordou, e agora está confuso? Pois não fique. Nós precisamos de você. Precisamos que você espalhe idéias de honestidade, consumo consciente, solidariedade, ecologia, educação, artes. Manipule as pessoas a desligarem a TV quando começar o programa “Pânico”, convença-as a reciclarem o seu lixo mesmo quando isso demandar muita disciplina, explique a elas que ser rico não é legal. Saia do baixo-astral (essa só entende quem assistiu ao filme da Xuxa) e venha para luz. Como você pode ver, há muito trabalho esperando por você aqui em cima.

***Para mais informações sobre a vida de Edward Bernays e a história do Marketing, assista o documentário “The Century of the Self”, produzido pelo canal britânico BBC.

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